Em 2.4.2020, foi publicada a Solução de Consulta Cosit nº 41/2020 (“SC 41/2020”), na qual a Receita Federal do Brasil manifestou o seu entendimento em relação à incidência do imposto de renda sobre rendimentos recebidos por pessoa física no Brasil de trust no exterior.

De acordo com a Receita Federal, a situação analisada envolvia uma pessoa física, beneficiária de um trust com sede nas Bahamas, cujo instituidor foi seu esposo, falecido em 2016. Em razão do falecimento, a Consulente passou a receber valores provenientes do trust. A dúvida levantada pela Consulente perante a Receita Federal foi se os recebimentos oriundos do trust são tributáveis pelo imposto de renda ou pelo imposto sobre a transmissão causa mortis ou por doação (“ITCMD”).

A Receita Federal concluiu que os valores recebidos do trust estão sujeitos ao imposto de renda, uma vez que se trata de rendimento auferido de fonte estrangeira, que implica acréscimo patrimonial. Na visão da Receita, os valores recebidos do trust deveriam ser tributados mensalmente por meio de carnê-leão (alíquotas progressivas até 27,5%) e incluídos na declaração de ajuste anual como rendimentos tributáveis recebidos do exterior.

O posicionamento externado pela Receita na SC 41/2020 apresenta sérios problemas: além do simplismo inadequado com que tratou a questão, a conclusão apresentada é equivocada, para a grande maioria dos casos envolvendo trusts.

É bem verdade que a consulta formulada carece de detalhes. Não se sabe, por exemplo, qual era o regime de bens do casamento, se a consulente era uma mera beneficiária dos rendimentos do trust ou se atuava ou tinha interferência na gestão do patrimônio do trust, se a consulente recebia os rendimentos ou parte do capital do trust etc. Esses dados podem de alguma forma interferir na tributação dos recursos recebidos de um trust.

De todo modo, feita essa ressalva, o posicionamento firmado pela Receita Federal na referida solução de consulta é equivocado. O recebimento de recursos pelo beneficiário de um trust se dá a título gratuito, sem qualquer contraprestação ou onerosidade por parte do beneficiário. Trata-se de um acréscimo patrimonial auferido a título gratuito. Portanto, regra geral, o imposto aplicável a tais recebimentos é o ITCMD, cujas alíquotas variam até 8%, e não o imposto de renda, cujas alíquotas variam até 27,5%.

Espera-se que a Receita Federal evolua em seu entendimento no futuro, pois, em uma economia globalizada, a utilização de trusts será cada vez mais comum e o entendimento externado na SC 41/2020 contém um claro erro conceitual que pode ser questionado pelos contribuintes em sede administrativa e judicial.

 

Ricardo Calil
Advogado SLM

 

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