Dos muitos efeitos sociais e econômicos danosos que se têm observado em decorrência da Pandemia COVID-19 desde o último ano, um dos mais expressivos, sobretudo no âmbito jurídico, é a necessidade da revisão dos instrumentos contratuais vigentes, em suas diversas modalidades, com base na teoria da imprevisão, adotada pela Lei brasileira.

Tal teoria, vale explicitar, visa ao reequilíbrio das condições contratuais na ocorrência de um evento extraordinário – imprevisível – que venha a tornar a relação insustentável, uma vez que “excessivamente onerosa” (Código Civil, art. 478 e seguintes).

Neste cenário de imprevisão, têm ganhado destaque os contratos de locação imobiliária, sejam residenciais ou comerciais, sobretudo em decorrência da utilização dos índices de atualização do preço usualmente adotados pelos contratantes dessa relação.

Pudera, se desde o início da Pandemia têm sido frequentes as repactuações quanto ao valor dos alugueres mensais, já profundamente comprometido pela incapacidade financeira que sobreveio a muitos Locatários, ocorreu de lá para cá que o Índice Geral de Preços – Mercado, medido pela Fundação Getúlio Vargas – IGP-M e largamente adotado nesse tipo de contrato, sofreu alta recorde no acumulado dos últimos 12 (doze) meses, até Março/21, tendo atingido no período o percentual histórico de 31,10% (trinta e um vírgula dez por cento), e tendendo a aumentar ainda mais no trimestre que se inicia.

Diante desse aumento alarmante e que simplesmente pode inviabilizar a continuidade dos contratos de locação – sobretudo ante o percentual habitualmente aplicado nesse reajuste anual, no máximo em torno de 5% (cinco por cento) a 10% (dez por cento) do valor então praticado –, nos casos em que as partes não têm por si conseguido compor acordo, o Judiciário já tem sido acionado e, inclusive, decidido em favor dos Locatários pela substituição do IGP-M para o período.

Especificamente o Judiciário paulista – TJSP mas, ainda, também o Superior Tribunal de Justiça – STJ têm cada vez mais decidido de forma favorável (embora ainda não em definitivo) à exclusão do IGP-M como índice aplicável, mesmo que definido em contrato, e substituindo-o pelo IPCA – Índice de Preços ao consumidor amplo –, que, embora também afetado pela Pandemia, sofreu aumento dentro do esperado para o período, e assim mostra-se mais adequado às relações locatícias.

Para ilustrar, vale o exemplo da decisão liminar do Juízo da 12ª Vara do Foro Regional de Santo Amaro, São Paulo/SP, em processo que tem por partes a administradora de Shopping Centers, como Locadora, e uma loja comerciante de produtos, como Locatária, então autora da Ação (Processo nº 1000029-96.2021.8.26.0228):

“(…) O fato imprevisível da epidemia mundialmente enfrentada é notório. A inicial relata iminente vencimento do aluguel sem que a autora possa pagá-lo com o reajuste avençado no contrato, o que poderia ensejar despejo ocasionando mais entraves nessa situação que já é dificílima, tanto para as empresas quanto para seus funcionários, em risco de não receberem seus salários ou serem demitidos. A crise deflagrada pela pandemia, cujas consequências e extensão ainda não são conhecidas inteiramente, demanda medidas urgentes e excepcionais visando ao reequilíbrio das relações contratuais atingidas. Outrossim, diante da alteração inesperada e inevitável da situação em que estabelecido o contrato, gerando desproporção por motivo imprevisível entre o valor da prestação originalmente contratada e o momento de sua execução, o Código Civil autoriza a readequação da prestação pelo juiz. (…)” e, confirmando em seguida após redistribuição,

“(…) ao que se infere, o índice eleito pelas partes para reajustamento do aluguel foi distorcido por eventos extraordinários, resultando em percentual que não se limita a recompor o poder aquisitivo da moeda. (…) ”.

Já o STJ, embora ainda não tenha decidido especificamente sobre questão similar – ao afastamento da aplicação do Índice Geral de Preços – Mercado, medido pela Fundação Getúlio Vargas – IGP-M – também já por conta dos desdobramentos prejudiciais da Pandemia, tem reforçado a respeito da abrangência da teoria da imprevisão (ex., Ag.Int.REsp nº 1543466), impondo a necessidade de revisão dos contratos com vistas a conter a onerosidade excessiva que cause o mencionado desequilíbrio.

 

Rodolfo de Figueiredo Carvalho

Advogado SLMLAW

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